top of page

Políticas para o despovoamento rural e práticas de resistência

Atualizado: 28 de out.

Editorial de Catarina Lopes Mateus para a Newsletter #84 do DINÂMIA'CET-Iscte



A maneira como pensamos o território influencia e direciona as políticas públicas que propomos, e que aprovamos, não só enquanto entidades de gestão territorial e planeadores, mas também enquanto sociedade civil (através da comunicação social, comentários políticos, referendos, manifestações ou atividade em grupos de ação local). O tema do despovoamento continua a ser um lugar comum na discussão sobre o ordenamento do território. E sobre isto, poderíamos dizer que, de forma generalizada, há duas grandes perspectivas: a aceitação fatalista (de que não há forma de inverter o despovoamento rural) e a salvação pela modernização (em que a única forma de inverter o despovoamento é através da modernização do rural). Estas são as perspectivas que estão na base dos planos de desenvolvimento rural em Portugal como vemos no PRR ou na nova PAC 23-27.


Insistir numa visão do rural como território vazio, abandonado, decadente ou atrasado, é também manter as relações de exploração das paisagens e das populações que compõem este território.

Insistir numa visão do rural como território vazio, abandonado, decadente ou atrasado, é também manter as relações de exploração das paisagens e das populações que compõem este território, agudizando o problema do despovoamento rural e contribuindo para uma visão urbano-centrada em que todo o território ou é cidade ou está ao seu serviço. No entanto existem outras formas de olhar para este problema. Muita da investigação atual sobre o território e a sua diversidade pode ajudar a questionar políticas de desenvolvimento rural, olhando para outras soluções promovidas pela própria sociedade civil e populações locais.


Os diversos processos de repovoamento das zonas rurais [...] criam uma diversidade de agentes que produzem este território, reinventando-o e resistindo de acordo com os seus próprios valores e necessidades.

Os diversos processos de repovoamento das zonas rurais (tais como a contra-urbanização, os novos rurais, ou regresso de imigrantes), aliados a movimentos de resistência camponesa, contaminam o tecido social rural e criam uma diversidade de agentes que produzem este território, reinventando-o e resistindo de acordo com os seus próprios valores e necessidades. Em grande parte dos casos, estes processos de (re)povoamento resultam de um sistema de valores diferente ao promovido pelo modelo de desenvolvimento hegemónico. Nomeadamente pela concepção de qualidade de vida enquanto a procura por um maior nível de soberania e autonomia face a organismos como o Estado ou o Mercado. Isto está patente nas lógicas de base camponesa que ainda resistem um pouco por todo o território nacional, através de práticas como a agricultura de subsistência, a diversificação de atividades económicas, a prática de economias sociais e solidárias como ajudadas ou a partilha e troca de bens e serviços; até à auto-organização de eventos culturais como as festas populares dos santos padroeiros ou a auto-organização para suprimir a falta de serviços e infraestrutura com serviços de boleias partilhadas e entregas porta-a-porta.



Por outro lado, os novos rurais, que muitas vezes fogem das cidades questionando a ideia de modernidade e de crescimento ilimitado e contínuo, mudam-se para o campo guiados por um imaginário que nem sempre coincide com a realidade. Este choque, ainda que possa resultar no regresso à cidade, pode também gerar processos de pré-figuração dessa realidade imaginada, com o estabelecimento de redes de entre-ajuda e comunitárias, lançamento de processos de regeneração de solos, rios e florestas, ativação de meios sociais em processo de apagamento, pela revalorização e apropriação de práticas e saberes populares e pelo envolvimento político a nível local. O resultado é uma heterogeneidade de atores rurais, onde as características sociais e culturais tipicamente “rurais” e “urbanas” se misturam e ressignificam.



Este olhar para quem ainda fica e resiste, para quem regressa e quem chega, pode ajudar a entender como apoiar os processos (já em curso) de repovoamento, contribuindo para pensar a ruralidade como uma alternativa ao modo de vida urbano e a questionar políticas de desenvolvimento rural baseadas em práticas extrativistas.

Comments


bottom of page