6 de Dezembro Iscte
Auditório JJ Laginha
Grande Auditório
Entrada Livre
Organização:
Paulo Tormenta Pinto
Marta Sequeira
O painel da manhã, decorrerá no Auditório JJ Laginha do Iscte, contará com a presença de Alexandre Alves Costa, professor Catedrático Emérito da FAUP, figura central do SAAL no plano arquitetónico, histórico e teórico. Estará também presente Ana Drago, investigadora do DINÂMIA'CET-Iscte, especialista em políticas de habitação no período do 25 de abril. A terceira intervenção estará a cargo Alexandra Saraiva, igualmente investigadora do DINÂMIA'CET-Iscte, estudiosa da obra de Raúl Hestnes Ferreira, centrará a sua intervenção no projeto SAAL Fonsecas Calçada. A manhã terminará com a intervenção de Ricardo Santos, investigador do CEAU-Up, editor e autor do livro "Cidade Participada Arquitectura e Democracia. Operações SAAL. Oeiras" O painel da tarde, que decorrerá no Grande Auditório, será dedicado à exibição do filme "As Operações SAAL" de João Dias. Após o filme, será realizada uma mesa-redonda com a presença dos arquitetos Inês Lobo, José Neves e Ricardo Carvalho, onde se debaterá a pertinência do SAAL e sua influência na arquitetura contemporânea.
PROGRAMA
9:30 - 13:00
Auditório JJ Laginha
Alexandre Alves Costa
Ana Drago
Alexandra Saraiva
Ricardo Santos
14:30 - 18:00
Grande Auditório
Exibição do filme “As Operações SAAL” de João Dias
Mesa-Redonda com
Inês Lobo
José Neves
Ricardo Carvalho
AS OPERAÇÕES SAAL EM LISBOA,
50 ANOS DEPOIS.
Paulo Tormenta Pinto
O SAAL (Serviço Ambulatório de Apoio Local) foi um programa habitacional lançado ao abrigo das políticas democráticas, resultantes do 25 de abril de 1974. Nuno Portas, à época Secretário de Estado da Habitação nos três primeiros governos provisórios, foi o mentor desta orientação política que previa a resolução dos graves problemas habitacionais que se colocavam à sociedade portuguesa nos últimos anos do Estado Novo.
A novidade do programa SAAL reside na convicção de que as soluções para ultrapassar os graves problemas de alojamento que existiam em Portugal, no último quartel do Século XX, passavam pelo empoderamento das comunidades a realojar. Deste modo, foram constituídas associações de moradores, que posteriormente dialogavam com os técnicos responsáveis pelas operações, participando nas decisões de projeto. As associações espelhavam a crença de uma organização social baseada em processos comunitários, os quais seriam igualmente vertidos para as operações de realojamento, realizadas em regra nos mesmos territórios onde os moradores residiam em precárias condições de salubridade.
Num ambiente de grande instabilidade política e social e ainda com a estrutura democrática a dar os primeiros passos, o programa SAAL, enquadra um conjunto de princípios que não devem ser ignorados no modo de pensar a cidade contemporânea. Se por um lado, o envolvimento cidadão e os processos participativos, permitiram encontrar mecanismos de envolvimento das comunidades para ultrapassar a emergência que à época se vivia, por outro lado, as lógicas territoriais baseadas na ideia do espaço comum, permitiram ultrapassar a simples dicotomia entre espaço doméstico e espaço público, que ainda hoje, muitas vezes, prolifera no pensamento da cidade.
As várias crises1 que têm pautado as duas últimas décadas, têm vindo a colocar novos desafios, que moldam o pensamento sobre a cidade. Muitas das respostas às questões atuais podem ser percecionadas nos projetos que resultaram do programa SAAL. A essencialidade da construção, a infraestruturação das áreas de intervenção e a capacidade de adaptação da arquitetura às constantes necessidades dos agregados familiares são questões fundamentais, ensaiadas por uma geração de arquitetos que se afirmou no período da transição democrática.
Apesar do papel de síntese protagonizado pelos arquitetos, as equipas formadas para responder a cada uma das operações, integravam também engenheiros, sociólogos, economistas, paisagistas e estagiários que realizavam trabalho de campo junto das comunidades. Estas brigadas multidisciplinares davam sequência à génese científica que Nuno Portas tinha sedimentado enquanto investigador do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, onde coordenou entre 1962 e 1974, o núcleo de Pesquisa de Arquitetura, Habitação e Urbanismo. Os múltiplos contactos internacionais, permitiram-lhe, que neste período, tomasse conhecimento das experiências e do debate internacional promovido em torno do acesso à habitação e à cidade. Os textos O Direito à Cidade (1968), de Henri Lefebvre e Questão Urbana (1972) de Manuel Castells, enquadram do ponto de vista teórico e político as ações congéneres ao SAAL, levadas a cabo, nomeadamente, na América Latina e no sul da Europa, convertendo-se em manifestos para muitos dos movimentos sociais contemporâneos.
O fascínio pelas lógicas neorrealistas (Roberto Rosselini, Vitório de Sica ou Luchino Visconti) apreendidas por Nuno Portas nos círculos cinematográficos constitui-se, no plano conceptual, como um alicerce fundamental para descodificar os modos de vida das comunidades mais desfavorecidas. Tal como Portas, também os arquitetos da sua geração, encontravam nesses meandros, não só argumentos para compreender os processos de segregação social impostos pelas lógicas urbanas, mas também a convicção de que a complexidade dos problemas que se colocavam, podia ser contraposta com soluções simples. A erudição dos referenciais estéticos é então cruzada com os desejos do povo, através do regresso às ferramentas essenciais da organização do espaço, como sendo: o acerto da escala, a proporção, a luz, ou a expressão dos materiais.
Passados aproximadamente 50 anos desde a construção dos conjuntos promovidos ao abrigo do programa SAAL, é importante regressar aos locais, com o argumento de revisitar métodos e processos de intervenção bem como os modos de habitar que eles representam, debatendo o reforço dos vínculos destas operações com a cidade e assim trazer para cima da mesa a discussão sobre a génese do processo democrático.
O SAAL teve expressão um pouco por todo o território nacional. Na região de Lisboa o programa deu origem a várias intervenções em áreas que na altura eram periféricas. As lógicas de crescimento urbano acabaram por absorver estas intervenções, mas nem sempre da melhor forma. Regressando aos bairros, projetados entre 1974 e 1976, percebe-se que em muitos casos persistem lacunas na integração morfológica destes conjuntos com a cidade. As descontinuidades são visíveis ao nível das infraestruturas, das acentuadas quebras morfológicas, ou da degradação do espaço público e do edificado.
Para lá da relevância científica e política do SAAL, e da qualidade de arquitetura produzida pelos arquitetos envolvidos nas brigadas deste Serviço Ambulatório, encontramos hoje nestes bairros, tanto o espelho do idealismo da sociedade da década de 1970, como as lacunas resultantes da aceleração da economia nacional dos últimos anos.
Numa época em que a habitação de promoção pública volta a fazer parte da agenda dos governantes, propõe-se como pontapé de saída da edição 2022/2023 do programa de doutoramento Arquitetura dos Territórios Metropolitanos Contemporâneos uma observação crítica das pioneiras políticas habitacionais lançadas na aurora do processo revolucionário, encontrando aí um laboratório para percepção dos desafios em matéria da habitação que atualmente enfrentamos.
1 Terrorismo, crise financeira, crise climática, crise dos refugiados, crise sanitária, guerra na Europa.
Referências bibliográficas
AAVV. ‘Dossier Portugal An II’em L’Architecture d’Aujourd’hui, nº 185, 1976
Bandeirinha, José António. O Processo SAAL e a Arquitetura no 25 de Abril de 1974. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2011.
Burmester, Maria (coord.) O Processo SAAL: Arquitetura e participação 1974-1976. Porto: Fundação de Serralves, 2014
Caruso, Adam; Thomas, Helen (ed.). Asnago Vender and the construction of modern Milan. Zurich: gta Verlag, 2015
Castells, Manuel. Questão Urbana. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2009 [Ed. original 1972].
Dias, João (realizador). As Operações SAAL, Midas Filmes, 2007
Gehl, Jan. A Vida entre Edifícios. Lisboa: Tigre de Papel, 2017 [Ed. original 1971].
Hatch, Richard. (ed.). The scope social of architecture. United Kingdom: Van Nostrand Reinhold Company, 1984, pp. 264-265.
Lefebvre, Henri. O Direito à Cidade. Porto, Editora Livraria Letra Livre, 2012 [Ed. original 1968].
Markum, Paulo. Paulo Mendes da Rocha - Conversas na Crise – Depois do Futuro. Entrevista on-line consultada 09/2020 em https://www.youtube.com/watch?v=Jvu6uW8vFEc
Neves, José (coord.) O Lugar dos Ricos e dos Pobres no Cinema e na Arquitetura em Portugal. Porto: Dafne, 2017.
Pinto, Paulo Tormenta; Brandão, Ana; Lopes, Sara. Nuno Portas and the Spanish influence on the definition of housing policies in Portugal in the period of democratic transition.in Pizza, Antonio; Granell, Enrique (ed). Crossing Frontiers – International Networks of Spanish Architecture (1939-1975). Madrid: Ediciones Asiméticas, 2012. (p.199-219) (http://hdl.handle.net/2117/352917)
Santos, Ricardo. Cidade Participada Arquitectura e Democracia. Operações SAAL. Oeiras. Lisboa: Tinta da China, 2016
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