Em memória de António Fonseca Ferreira (1943-2019)
A investigadora Isabel Guerra recorda o antigo investigador do CET
António Fonseca Ferreira nasceu em Trancoso, na Guarda, em 1943 e faleceu, em Lisboa, a 14 de Janeiro de 2019. É difícil resumir ou comentar o percurso pessoal, profissional e político de uma carreira longa e multifacetada como a deste colega, docente no ISCTE entre 1976 e 1996 onde lecionou a disciplina de Sociologia Urbana como Assistente Convidado (1975-85) e depois como Professor Auxiliar Convidado (1985-96).
Engenheiro de profissão e com um Doctorat du 3ème cycle na École Pratique des Hautes Études, Paris-Sorbonne (1973-74) trabalhou desde sempre ligado às problemáticas do urbanismo, habitação e planeamento estratégico tendo ocupado cargos de responsabilidade de onde se destaca a Presidência da Comissão de Coordenação da Região de Lisboa e Vale do Tejo (1998-2009) e a Direcção de Serviços do Fundo de Fomento da Habitação (1974-80). Tem uma vasta obra publicada em livros e revistas e foi fundador e diretor da revista “Sociedade e Território” (1984-2013).
Para além da carreira profissional, a carreira política é também um sinal da sua procura incessante de uma democracia moderna e participativa. Em 1971 é preso pela PIDE e foi condenado a servir como “soldado básico” no exército com ordem de cumprimento do serviço militar, em regime disciplinar, em Moçambique, na guerra colonial. Desertou para França onde obteve asilo político e só regressa a Portugal em 1974. Não se revendo nos partidos existentes , é fundador ou activista de vários movimentos políticos: foi membro fundador do GIS – Grupo de Intervenção Socialista, com Jorge Sampaio, João Cravinho e outros (1978); constituiu o Clube “Centro de Estudos Socialistas” (CES) onde promoveu diversas iniciativas de reflexão e edição (1978); foi membro fundador do MAD – Movimento para o Aprofundamento da Democracia, liderado por Maria de Lourdes Pintasilgo (1985/86); em 1987 adere ao Partido Socialista.
Nesta dupla componente de investigador e profissional comprometido, Fonseca Ferreira inova em duas frentes. Por um lado, na sua constante chamada de atenção sobre a íntima relação entre as dinâmicas habitacionais e as políticas de habitação, por outro lado, pela introdução no pensamento e gestão territorial da lógica do planeamento estratégico das cidades.
Ao nível da habitação, para além dos vários trabalhos de pesquisa e de consultoria, nomeadamente com as cooperativas de habitação, editou dois livros que sintetizam o seu pensamento: a capacidade de definir políticas de habitação assentes na leitura das necessidades de habitação e delinear a intervenção pública de forma integrada e apoiada no sector privado e cooperativo. Trata-se das obras: Por uma Nova Política de Habitação” ( 1987) e, em co-autoria, o Livro Branco sobre a Política de Habitação em Portugal (1993).
A sua experiência autárquica e regional, bem como a influência das novas políticas regionais espanholas, nomeadamente a de Barcelona, leva-o a introduzir no planeamento e gestão territorial, o planeamento estratégico das cidades. Para além da sua experiência como presidente da CCDRLVT participou em vários processos de planeamento, nomeadamente : coordenou o primeiro Plano Estratégico Regional português através da elaboração do Planeamento Estratégico e Urbanístico de Lisboa (1990/95); coordenou o Plano Estratégico da cidade da Guarda; foi co-autor dos Planos Estratégicos das cidades de Castelo Branco, Coimbra e Aveiro (1990/1995); coordenou o Plano Estratégico de Desenvolvimento da Península de Setúbal (2013/2015). Reflecte sobre essa experiência no livro editado em 2015, pela Fundação Gulbenkian, Gestão Estratégica de Cidades e Regiões.
É esta empenhada participação profissional, cívica e política que trouxe para a vida académica, partilhando com colegas e estudantes uma constante curiosidade e interrogação sobre a mudança social e sobre os seus protagonistas, refrescando a vida académica que nem sempre via com bons olhos estes “profissionais convidados”. O profundo conhecimento das dinâmicas urbanas e habitacionais, nas suas componentes práticas e teóricas, foi posto ao serviço dos alunos quer na leccionação quer na orientação de muitas teses de licenciatura e mestrado.
Nem sempre de trato fácil, era um óptimo organizador que, tirando partido de uma rede alargada de contactos profissionais e académicos, organizava conferências e “visitas de estudo” mas também incentivava a participação em colóquios internacionais de professores e colegas numa altura em que essa actividade era ainda pouco frequente no ISCTE e na restante academia.
Quando deixou o ensino no ISCTE, manteve uma colaboração assídua com investigadores do Centro de Estudos Territoriais/CET com os quais tem várias obras publicadas.
Recordamos António Fonseca Ferreira pela sua grande curiosidade face ao mundo e invulgar capacidade crítica, pelo saber abrangente e complexo fruto da observação das dinâmicas sociais, pela independência de espírito e uma integridade exemplar.
Isabel Guerra 16 de Janeiro de 2019
Comments