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Vulnerabilidades no contexto das migrações: desafios da ação pública em contexto urbano

Editorial: Alexandra Castro

Newsletter DINÂMIA'CET-Iscte #85

O tratamento da temática das migrações pelo lado das questões urbanas, não esquecendo as questões humanitárias e da pobreza e exclusão social, traz elementos importantes de compreensão do fenómeno, pois permite-nos questionar a ação pública, em termos do regime de “hospitalidade”, no sentido de Anne Gottman (2001), que se pretende instalar. Entenda-se este regime pelo conjunto de regras e práticas que permitem às autoridades públicas selecionar os seus hóspedes e supervisionar a sua estadia, rejeitando outros, ou seja, os indesejáveis.



A Agência para a Integração, Migrações e Asilo, I. P. (AIMA) (criada em junho de 2023), colocando sob a sua alçada as competências do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras  e as do Alto Comissariado para as Migrações, ainda está a fazer o seu caminho para que, efetivamente, se consiga responder ao desafio da “promoção de canais de migração regulados e seguros[e] de se garantirem condições dignas e inclusivas de integração dos cidadãos estrangeiros, respeitando a sua diversidade, bem como de se assegurar o acolhimento e integração tanto de migrantes como de requerentes beneficiários de proteção internacional — asilo e proteção subsidiária — e proteção temporária” (Preâmbulo, Decreto-Lei n.º 41/2023, 2 junho). No entanto, neste curto caminho já foi possível identificar várias fragilidades, nomeadamente nos sistemas de controlo de fronteiras, na incapacidade operacional de se proceder à análise de processos, na falta de orientação específica sobre o tipo, dimensão e duração de apoios sociais para as pessoas em situação irregular, entre outros.

 

No Plano de Ação do Conselho da Europa sobre a proteção das pessoas vulneráveis no contexto das migrações e asilo na Europa (2021-2025) esta proteção implicaria que a identificação das vulnerabilidades fizesse parte do sistema de acolhimento e que fossem implementadas alternativas à detenção. Entende-se que é da responsabilidade das autoridades nacionais, com base na legislação nacional e nas obrigações internacionais, identificar eficazmente, caso a caso, as vulnerabilidades dos recém-chegados e fornecer-lhes, se necessário, orientações, assistência, informação e proteção exigidas durante os procedimentos de migração e asilo.

 

Implicaria também ter presente que existem temas transversais, como os direitos das crianças, os direitos das mulheres, o trabalho com jovens, a integração intercultural e a participação democrática, o que requer, efetivamente, um esforço conjunto de vários setores.


(...) os Estados-Membros devem pôr em prática estratégias nacionais para garantir que têm capacidade para gerir um sistema eficaz de asilo e migração que respeite o direito da União Europeia e as obrigações jurídicas internacionais.

 

Entretanto, entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2024, no quadro da União Europeia, surgem novos enquadramentos legislativos para uma reforma do sistema de asilo e migração (que constituem o Pacto em matéria de Migração e Asilo). Neste sentido, os Estados-Membros devem pôr em prática estratégias nacionais para garantir que têm capacidade para gerir um sistema eficaz de asilo e migração que respeite o direito da União Europeia e as obrigações jurídicas internacionais.


A reorientação de estratégia no plano das migrações, iniciada em meados de 2023, parece ter dado sinais de um modelo de abertura e inclusão para o qual não existiam, ainda, mecanismos de resposta a fluxos tão intensos e não programados de migrantes mais vulneráveis. E um problema organizacional conduz a uma solução na reorientação política por via da aprovação, em junho de 2024, de um Plano de Ação para as Migrações, com quatro eixos e 41 medidas, importando avaliar o impacto económico e social das medidas que tendem a dificultar o acesso à regularização.

 

Entre reconfigurações governativas, organizacionais, legislativas e de planeamento, é sabido que a ação pública se constitui como um dos quadros determinantes da experiência migratória. Também é sabido que são raras as pessoas que abandonam os seus projetos migratórios. Aqueles que não integram as vias ou esquemas de integração ficam fora do circuito, tanto em termos de situação administrativa, como de permanência, continuando a ocupar terrenos ou edifícios sem terem a possibilidade de acesso a quaisquer direitos e correndo riscos de ficarem à mercê de quem pode lucrar com a clandestinidade.

 

Se existem questões que têm de ser locais, e resolvidas em contextos específicos, quando falamos da mobilização ou de restrições de recursos, passamos a uma questão multinível e multissectorial. Depois de mais de 30 anos em que a erradicação de barracas da cidade de Lisboa parecia ser uma realidade, voltam a surgir ocupações do espaço público e reaparecem abordagens construtivistas para a ação pública. Como fazer, torna-se a questão essencial. No entanto, as soluções, até agora não andam muito longe daquilo que se vem fazendo há mais de 50 anos, como é o caso das diversas modalidades de alojamento de urgência ou temporário, como os centros de acolhimento, os centros de instalação, os albergues noturnos, os parques nómadas ou centros de estágio habitacional, as aldeias de inserção e outras que vão acolhendo, com diferentes propósitos, pessoas em situação de sem abrigo, mas com perfis sociais e culturais muito distintos.

 

Daí se falar da ocupação do espaço público como um objeto de fronteira, não só por se tratar de um objeto que faz fronteira, mas também por ter de ser tratado numa relação entre municípios, regiões e países, numa real cooperação multilateral. Esta complexificação multinível reflete-se, a nível local, nas modalidades da ação, pois os projetos passíveis de serem implementados não vêm acompanhados de um receituário. Face a recursos que são sempre escassos, qualquer diagnóstico de uma situação local origina diversos questionamentos de como fazer. No entanto, há soluções que à partida tendem a ficar condenadas por não gerarem equilíbrios, como é o caso de centros de acolhimentos para albergar um número elevado de pessoas face a dimensão da população de um determinado território e à capacidade de gestão de percursos de integração que se querem centrados nas pessoas.

 

Porém, as cidades são o palco privilegiado para lidar com a diversidade e com eventuais conflitos pelo que importa desenvolver estratégias e instrumentos que promovam a interação entre diferentes grupos no espaço público, a participação e percursos de integração social geradores de equidade. A diversidade deve ser encarada de forma positiva e como um recurso e os modelos de governança, as instituições e os serviços devem adaptar-se às necessidades da população, independentemente da sua nacionalidade, origem, língua, religião ou condição social.

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