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Na celebração dos 50 anos do 25 de Abril importa refletir sobre o estado da democracia. Um dos principais barómetros de que dispomos é o nível de participação dos eleitores nos diversos atos eleitorais.
Quais os lugares onde o interesse pela política se reforça ou se desvanece? Existe alguma relação entre os níveis de abstenção e as características socioeconómicas do território e das comunidades que o habitam? Quem são abstencionistas, que perspetivas tem sobre o Estado ou o Governo e que dificuldades enfrentam? Como reaproximar os cidadãos dos processos de decisão?
Estas são algumas das questões a que a investigação de jornalismo de dados “A bomba relógio da abstenção” procura dar resposta. Este trabalho coordenado pela DIVERGENTE e realizado em parceria com o DINAMIA’CET-Iscte, faz o retrato da abstenção de voto na União Europeia (UE) nos últimos 50 anos. A recolha, uniformização, tratamento, georreferenciação e análise de dados eleitorais, demográficos e socioeconómicos constituíram tarefas-chave neste processo que abrangeu 27 países, 350.794.565 eleitores, 84.716 freguesias e 697 atos eleitorais. A metodologia utilizada permitiu mapear o fenómeno da abstenção a diversas escalas e ampliar a sua compreensão à luz da diversidade e complexidade do território Europeu.
Quatro em cada dez Portugueses não votaram nas últimas eleições autárquicas (2017) e nas últimas eleições presidenciais (2021), os níveis de participação dos Portugueses atingiram os valores mais baixos em democracia, com uma abstenção a rondar os 60%.
Os resultados mostram que apesar do crescimento da abstenção ser um fenómeno generalizado a nível Europeu, Portugal é um dos países onde esta tendência é mais expressiva. Entre a eleição do primeiro governo constitucional (1976) e a eleição do mais recente governo (2024), a abstenção cresceu 31,7%, sendo que nos últimos 15 anos, mais de 40% dos eleitores Portugueses optaram por se manter distantes das urnas. O mesmo pode ser observado relativamente aos restantes atos eleitorais. Desde a década de 90 que pelo menos seis em cada dez Portugueses abdicam do seu direito de voto nas eleições Europeias. Quatro em cada dez Portugueses não votaram nas últimas eleições autárquicas (2017) e nas últimas eleições presidenciais (2021), os níveis de participação dos Portugueses atingiram os valores mais baixos em democracia, com uma abstenção a rondar os 60%.
A investigação desenvolvida permitiu ainda relacionar um conjunto de indicadores socioeconómicos e demográficos com os níveis de participação eleitoral. Nas eleições Legislativas e Europeias vota-se menos nas regiões menos densamente povoadas e onde o sector da agricultura e pescas tem preponderância. Os níveis de abstenção são também superiores nas regiões onde o nível de desigualdade é maior e as qualificações da população são mais reduzidas. Já nas eleições autárquicas a abstenção é superior nas regiões mais desiguais e onde o grau de terciarização económica é superior.
Esta dissonância, juntamente com os elevados níveis de abstenção, exigem um reforço da qualidade dos instrumentos de política pública que visem fortalecer a coesão do país a nível geográfico, socioeconómico e institucional.
O cenário apresentado demonstra que as clivagens socio-espaciais influenciam os níveis de participação cívica e política, determinando ainda 'perímetros de representatividade’ que variam em função dos diversos atos eleitorais. Se as eleições legislativas e europeias parecem ser mais apelativas ao eleitorado urbano, já as eleições autárquicas parecem interessar mais ao eleitorado rural. Esta dissonância, juntamente com os elevados níveis de abstenção, exigem um reforço da qualidade dos instrumentos de política pública que visem fortalecer a coesão do país a nível geográfico, socioeconómico e institucional. A diversidade e especificidade do território nacional, bem como as necessidades diferenciadas da população, devem constituir a bússola de um novo modelo de governança multiescalar e intersectorial que efetivamente inclua e tenha em consideração as expectativas dos cidadãos no âmbito dos processos de decisão.
A investigação científica a par com a investigação jornalística são duas das principais fontes de informação pública, constituindo alicerces centrais de uma democracia robusta, inclusiva e inovadora. O DINAMIA’CET-Iscte, através de uma abordagem de cariz interdisciplinar e dos diversos projectos de investigação que intersectam três eixos fundamentais (trabalho e inovação; cidades e territórios; governança, economia e cidadania) detêm um posicionamento privilegiado no que respeita à compreensão das transformações em curso na sociedade e no território Português. Um enquadramento que determina uma responsabilidade acrescida no que respeita ao cumprimento da missão com que se encontra comprometido: a promoção da sustentabilidade ambiental, da coesão social e da democracia.
Ao fim de 50 anos de progressos inegáveis para a sociedade portuguesa e acreditando que a maior ameaça à democracia é o desconhecimento e a invisibilidade, é urgente que se aprofunde os fatores subjacentes ao descontentamento e afastamento progressivo entre os cidadãos, as instituições e os seus representantes democráticos.
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